A primeira frase completa dele foi para a minha mãe: “Quero a minha aliança”. Minha mãe tirou a aliança que havia colocado em seu próprio dedo e devolveu-a ao local de origem, o dedo anular do meu pai.
A segunda vestimenta que meu pai exigiu foi sua prótese dentária. E a terceira, seu relógio de pulso. Com o amor da minha mãe no dedo, todos os seus dentes para mastigar a vida e o tempo amarrado ao braço, meu pai já não estava mais nu. E assim, completo, começou a acariciar a minha mãe. Lua de mel numa hora dessas?, eu e Mafalda pensamos. Eu te amo, ela disse, aos quase 77 anos. Eu te amo, ele respondeu, com quase 82. Muito, ele acrescentou.Porque era isso. Depois de voltar do sono anestésico, de onde todos nós, por mais confiantes que estejamos, tememos não retornar, tudo o que meu pai queria era recasar com a minha mãe. Recasaram-se ali, sob os meus olhos de bolinha de gude, ela com dor nos joelhos, ele com uma sonda na uretra. Naquele momento, o gato tinha mesmo comido a minha língua.
Eu estou aqui!, gritei eu, com uns... digamos... 9 anos. Oquei, 5... no máximo.
O amor dos meus pais deverá permanecer para sempre um mistério. A partícula Bóson de Higgs poderá ser comprovada. Machado de Assis talvez um dia dê um safanão no “espírito Lucius” e faça Zibia Gasparetto psicografar se aqueles olhos de ressaca eram traidores de si ou de Bentinho. E um dia até os ossos de Ulysses Guimarães poderão ser encontrados. Mas o amor dos meus pais deverá permanecer um mistério.
É fácil compreender o desamor. O amor, não. O amor é um enigma.
Aqui .
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