sábado, 20 de abril de 2013

Vanessa, vc é foda!


Temos vivido um tempo em que todo mundo é tão extremista com relação às coisas que acredita que o convívio social presencial ou pela internet está ficando impossível.
Eu nunca dei muita bola pra feminismo. Cresci numa casa onde cada um lavava sua roupa, o pai sabe cozinhar, a mãe sabe arrumar chuveiro, todo mundo faz um pouquinho aqui, um pouquinho ali e todo mundo faz parte das tarefas de manter a casa funcionando.


Nunca fui proibida de vestir cor nenhuma, de ter cabelo de qualquer tamanho, de brincar de carrinho, de ter bicicleta azul, de ter um GI Joe, uma Barbie, vídeo game, mini game, brinquedos de cozinhar, kit de chave de fenda, esquadros, bola, cabaninha da Branca de Neve, ursinho, skate. Tenho um irmão que pediu uma blusa cor de rosa pra minha mãe e ela costurou do jeito que ele queria. E ele podia usar na rua e na escola. E nunca se importou com a opinião dos amiguinhos. Também teve cabelo comprido, tingido, pintou o olho de lápis preto por anos, lava as próprias roupas e sabe cozinhar. Tão entendendo o processo? Eu cresci numa casa em que as pessoas são respeitadas nas suas vontades e iguais nas obrigações.


Ninguém nunca diz “pai, tem que trocar o gás”. As meninas vão lá e trocam. Ninguém diz “mãe, tem que lavar a louça”. Os meninos vão lá e lavam. Todo mundo na minha família sabe onde fica o sabão e o martelo.


Mas a gente não vive na bolha do lar e um dia eu estava entre pessoas que eu considerava modernas. Até que alguém veio me tirar do repouso de uma doença séria - que vou omitir pra preservar minha paz e ninguém se reconhecer - pra reclamar que eu estava deitada enquanto um homem lavava a louça e todo mundo sabia que era uma HUMILHAÇÃO um homem ter que se sujeitar a isso.


Cê jura?


Nesse mesmo ano, pela primeira vez na vida, eu comprei roupas pra mim. Até ali minha mãe comprava roupas e a gente ia usando, todas as meninas juntas. Sei lá se era preguiça, pobreza, falta de senso fashion. O caso é que ela comprava as roupas todas e a gente usava (eu, ela, minha irmã) sem muito critério. Foi quando eu ganhei a incrível fortuna de 300 dinheiros pra gastar como quisesse, desde que fosse em roupas e foi a primeira vez que eu pude pensar a respeito do que gostaria de usar.


Cresci esquelética. Nunca tive orgulho disso, era apenas o formato do meu corpo. E minha mãe, que também tinha crescido magricela, sempre teve vergonha das pernas finas, dos ossos salientes. De modo que sempre comprou roupas largas. Então, minha primeira compra continha apenas vestimentas justíssimas. Calça jeans grudada na pele. Camisetas infantis, pra ficarem completamente coladas. Blusas daquele tricô tão bizarro que ela parece 8 números menor que o seu quando você não está dentro dela. Eu não queria mostrar o corpo, queria só usar roupas do meu tamanho, pra variar.


E foi a primeira vez que eu me dei conta de como mulher é um tipo imbecil de ser humano, quando uma coleguinha da minha sala na faculdade veio me avisar que não era de bom tom sair de casa com uma camiseta que não cobrisse o bumbum. E o pior: eu acreditei. Tinha acabado de mudar de cidade, de estado, de nível escolar. Vai que eu passei tempo demais no interior e perdi a noção, né? Fui lá de novo comprar um lote de blusas com 4 vezes o meu tamanho, só pra que cobrissem meu derriére e ninguém fosse agredido pela visão do meu bumbum seco.


Depois foi com decote, maquiagem, esmalte, cabelo. Era o tempo todo censura pela aparência. Se falasse com os meninos, censura no comportamento. Se fosse na festa de fulano, se olhasse, se pensasse, se respirasse. Todo mundo julgando você o tempo todo.


E foi só aí, atravessando a barreira dos 20 anos, que o feminismo bateu à minha porta. E eu resisti, porque eu sempre tive essa noção radical que um gênero não precisa de vantagem em relação ao outro. Mas aos 30 eu percebi que acreditar que todo mundo é igual estava muito errado e eu entendi que não, eu não sou feminista, nem machista, só um tanto egoísta. Eu não acredito em direitos iguais, eu não acredito em superioridade. Eu acredito em necessidades especiais. Eu acredito em direitos especiais.


Vou explicar.


Eu não acho que eu sou MAIS que um homem apenas por ele ter nascido homem. Obviamente não acho um que um homem seja mais que eu em nenhuma situação. Mas eu também não sou IGUAL a um homem.


Eu não sou igual a um homem quando eu saio da barriga da minha mãe e imediatamente todo mundo acha que devo vestir rosa, mas se um bebê menino se aproxima dessa cor, um pai morre de ataque cardíaco fulminante.


Eu não sou igual a um homem quando eu entro numa loja de brinquedo e peço um soldado em vez de uma boneca e uma vendedora muito fofa me diz que a seção de meninas é ali ó. E um homem não é igual a mim se cai na desgraça de desejar uma boneca.


Eu não sou igual a um homem quando fico menstruada pela primeira vez na escola, no meio da aula e o professor de história não sabe como lidar e a diretora me repreende por ter falado a respeito no meio da sala, com um homem, na frente dos meninos. Como se o que aconteceu comigo não fosse obra da natureza, que acontece com metade da população e independente da minha vontade.


Eu não sou igual a um homem quando fico menstruada todos os meses na escola e tenho que fazer as aulas de educação física com as primeiras cólicas da minha vida, que nem eu mesma consigo entender como funcionam, sob o sol, porque o homem que me dá as aulas diz que menstruação não é desculpa.


Eu não sou igual a um homem quando tenho que passar uma semana inteira fora da piscina e usando roupas escuras no verão, porque ninguém me explica muito bem como passar aqueles dias e a sociedade não aceita saber que me encontro nessas condições.


Eu não sou igual a um homem quando começo a sair à noite e tenho que ouvir meus pais dizendo pra jamais deixar meu copo sozinho, que não posso beber demais, que não posso sair com aquela saia de jeito nenhum, que tenho fechar o decote, que tenho que me dar ao respeito, senão os meninos vão saber que eu não valho nada e terão automaticamente direito sobre meu corpo.


Eu não sou igual a um homem quando resolvo que vou sair de saia se eu quiser e vou rir se eu quiser e vou falar com quem eu quiser e um deles acha que isso significa que eu estava me oferecendo a noite toda e pode praticamente arrancar meu lábio ao forçar me beijar. E se revolta quando leva uma bofetada no meio da cara como resposta, porque eu.estava.pedindo.


Eu não sou igual a um homem quando não posso voltar desacompanhada pra casa à noite, porque alguém pode querer me machucar apenas por ser naturalmente mais forte do que eu.


Eu não sou igual a um homem quando gosto de futebol e de outros esportes, porque isso me masculiniza e nenhum menino vai querer uma menina assim tão desleixada e com as canelas roxas.


Eu não sou igual a um homem quando cada vez que eu me relaciono com alguém do sexo oposto, eu sou automaticamente a pessoa que está se insinuando. Se o homem for comprometido, eu sou automaticamente a destruidora de lares.


Eu não sou igual a um homem quando chego aos 25 anos sem um relacionamento significativo com uma pessoa do sexo oposto. Eu não sou igual a um homem quando a sociedade me expulsa repetidamente de grupos sociais em que todos acabam comprometidos depois de um tempo, porque tem alguma coisa errada com uma mulher sem homem. Sem alguém pra proteger, cuidar dos interesses sociais e das rédeas da vida em geral.


Eu não sou igual a um homem quando escolho estudar um curso tipicamente masculino e tanto colegas como professores me perguntam se minha intenção é arrumar um marido e se tenho alguma ideia de como usar uma calculadora científica com 50 botões.


Eu não sou igual a um homem quando escolho uma profissão tipicamente masculina e ninguém respeita minha autoridade pela única razão: ter nascido menina.


Eu não sou igual a um homem 3 semanas no mês, quando meus hormônios tomam o melhor de mim e eu tenho que controlar cada reação. Eu não sou igual a um homem quando meu corpo dói sem que eu tenha feito nada pra que isso acontecesse. Quando não posso controlar meu humor. Quando sinto dores que um homem JAMAIS vai experimentar e não tenho o direito nem mesmo de fechar a cara, de respirar mais fundo e até mesmo de chorar, por que não? Eu não sou igual nem mesmo às mulheres nesse momento, porque algumas iluminadas nasceram mais aptas para a sociedade e não sofrem com a mesma intensidade e acham que podem julgar a minha experiência pela delas.


Eu não sou igual a um homem se decido que meu corpo é meu e eu faço dele o que eu quiser. Inclusive expondo a maior extensão possível da minha pele, se me der vontade. E isso não quer dizer que eu esteja me exibindo ou pedindo ou querendo nada.


Eu não sou igual a um homem se decido que não quero procriar. Eu obviamente não brado contra os homens nem acho que gravidez seja violência ou qualquer outra dessas ideias perturbadas. Eu só acho que não quero a experiência nem a responsabilidade. Se um homem decide que não quer ter filhos, é só a opinião dele, uma escolha dele e mulher nenhuma vai deixar de se juntar a ele emocionalmente por causa disso. Se uma mulher decide que não quer ter filhos, ela é louca, frustrada, rebaixada, incompleta, invejosa. E nunca, NUNCA a sociedade entende um homem que se junta a esse ser mitológico incompreensível. Essa mulher que vai contra a natureza.


Eu não sou igual a um homem se decido que não quero me casar, que não quero dividir uma casa, um quarto, uma cama, um cobertor, uma conta bancária. A sociedade duvida da minha sexualidade – que a propósito, não é da conta de ninguém – e da minha sanidade mental se eu me recuso a me ligar a alguém de forma tão profunda apenas porque.eu.não.quero. Um homem que passa a vida sozinho é um solteirão independente desejado. A mulher que passa a vida sozinha é uma coitada que ficou pra titia.


Eu não sou igual a um homem quando eu engravido contra a minha vontade. [Um parêntese aqui: eu sou moralmente e pessoalmente contra o aborto. Mas essa sou eu, sobre a minha vida, a única em que eu posso opinar. Socialmente, eu acho que todo mundo tem que ter direito de fazer o que achar melhor.] E eu sinceramente acho que um homem que não esteja envolvido genética e diretamente no processo de fabricar a criança em questão, não tem direito de opinar no rumo da gravidez.


Eu não sou igual a um homem se eu divido uma casa. Ainda que o homem não esteja romanticamente envolvido comigo, se eu e um homem moramos no mesmo lugar, a obrigação de limpar, cozinhar, arrumar, é socialmente minha. E eu, enquanto viver, jamais lavarei as roupas de outra pessoa que não sejam as minhas. Limparei a bagunça de uma pessoa que não for eu. Cozinharei qualquer coisa que eu não esteja interessada em comer fora da hora que me interesse comer.


Eu não sou igual a um homem se eu tenho filhos. Desconsiderando o fato de que biologicamente eu sou a única que pode alimentar a criança pelos primeiros 6 meses, todo o resto também será minha responsabilidade. As fraldas, a alimentação, as broncas, as roupas, a higiene, o colo. Se meu filho fica doente, sou eu e não o homem que pede pra sair do trabalho pra levá-lo ao médico. Se a nota é baixa, sou eu e não o homem que recebe a ligação da escola. Se a roupa está amarrotada, sou eu e não o homem que leva a fama pelo desleixo. Eu não sou igual ao homem quando preciso faltar ao trabalho por 3 dias porque meu filho não melhora. Sou eu o alvo das fofocas de escritório sobre a falta de comprometimento com o trabalho. Sou eu que tenho apenas 4 ou 6 meses de licença maternidade, mas sou cobrada constantemente pela atenção que deixo de dar à criança, que ouço palpites sobre alimentação, educação e todas as outras tarefas que não tenho a quem delegar.


Eu não sou igual ao homem quando cresço aprendendo que não posso andar por ruas escuras, que não posso andar sozinha à noite, que não posso andar por ruas desertas em nenhum horário do dia, que não posso demorar pra travar a porta do meu carro depois de entrar nele, que não posso usar roupas curtas e justas se for usar o transporte público, quando a sociedade passa minha vida me ensinando que não devo ser estuprada, em vez de ensinar aos homens que eles não devem estuprar.


Eu não sou igual ao homem quando qualquer coisa sobre meu comportamento pode me classificar como santinha ou como safada, como puritana ou vagabunda, como pra casar ou pra comer.


Eu não sou igual ao homem quando as outras meninas todas também estão me julgando pelo que não querem ser julgadas, pelas minhas roupas, pelo comportamento que elas acham que eu deveria ter, pela forma como elas acreditam que uma mulher deve ser.


Então me digam: pra quê eu quero direitos iguais aos dos homens? Eu nunca vou ser tão forte, eu nunca vou ter as mesmas habilidades, modos de raciocínio. Eu não sou igual e não quero ser igual. Eu quero ser respeitada pelo que eu sou. Não quero que alguém role os olhos e solte um suspiro se eu disser “não posso fazer isso agora, estou quase cega de cólica e preciso de uma hora até que meu remédio faça efeito”. Eu quero que a pessoa REALMENTE entenda o que eu estou sentindo e volte uma hora depois, sem me tratar como um indivíduo inferior ou mágico por causa disso.


*****


E eu ainda tenho sorte. Eu sou uma mulher heterossexual revoltada, independente e com ideias não convencionais. A vida já não é fácil, mas não consigo imaginar o que homens e mulheres homossexuais passam apenas por não serem... iguais. Todo mundo palpitando demais em situações que não lhes dizem respeito. Se cada um cuidasse só dos próprios interesses (de verdade, e não daqueles que você ACHA que são seus, como o casamento entre duas pessoas em que uma delas NÃO É VOCÊ), todo mundo teria muito mais chances de ser feliz.


Eu entendo o feminismo. Entendo a importância dele. Entendo o que leva as meninas da minha geração abraçarem tão fervorosamente. Mas eu não sou feminista. Eu sou egoísta. Eu quero o que é melhor pra mim. Não porque eu sou mulher, não porque eu acho que mereço mais que ninguém. Eu só acho que mereço respeito, independente do gênero de cada um. Independente da forma que eu me comporto, desde que não afete DE FATO a vida de ninguém. Você deveria querer também.




PS - 01 DICA: ser uma menina bradando por respeito enquanto julga o comprimento da saia da coleguinha NÃO ESTÁ PERM
ITIDO.

Vanessa Negrão aqui  Aqui!